As condições fisiológicas estão muito bem. O perfil antropométrico e as
capacidades motoras, velocidade, coordenação, flexibilidade, força de
resistência, capacidade cardiorrespiratória, aeróbica e anaeróbica, tudo ok, mas
o atleta não desenvolve plenamente suas potencialidades, contrariando as
avaliações do preparador físico e do técnico. O que pode estar acontecendo?
Todo treinador/preparador de atletas já se encontrou nessa encruzilhada
e teve que reavaliar toda a sua estratégia, muitas vezes com parcos ou nenhum
resultado. Aliás, o desempenho pode começar a despencar de repente ao surgirem
queixas de dores misteriosas, cansaço injustificado, já que a avaliação física
não detecta qualquer perda de qualidade nesses quesitos. Pode ser que estejamos
diante de um caso típico de somatização, nome dado aos sintomas físicos que
decorrem de problemas de ordem emocional ou psicológica. Mas se é psicológico,
então é bobagem! - diz o senso comum. Essa leitura é fruto do desconhecimento
que ainda paira sobre o quanto nossas emoções interferem no nosso corpo,
causando transtornos que podem ir desde uma dorzinha até uma paralisia
temporária ou permanente de um membro, dor nas costas, falta de ar, taquicardia,
sudorese intensa e temores e tantos outros sintomas físicos. Podemos mesmo
afirmar que não há emoção que não produza reações equivalentes em nosso
organismo. O que varia é a qualidade e a intensidade dessas reações e essas
variam de acordo com o momento vivencial do experienciante.
O que não
era importante num certo período da vida, pode se tornar primordial em outro.
A psiquiatra americana Lesley Allen, afirma que: “Os sintomas
(produzidos pela somatização ) são reais. O sofrimento dos pacientes não é menor
do que o daqueles que apresentam problemas com causas orgânicas bem definidas”.
Há muitos anos atrás a Folha de São Paulo trouxe uma matéria intitulada
“Dores que só aparecem no divã”. Para exemplificar o tema fazia uma análise do
caso que envolveu o maior fenômeno do taekwondo dos anos oitenta, cujo nome não
devo declinar em respeito a sua privacidade.
Naquela época acompanhamos
a angústia do grande atleta em razão de uma dor que lhe acometeu a articulação
do fêmur com a bacia e lhe tirou a possibilidade de disputar a final no Mundial
Open. Os exames clínicos nada revelavam, mas o lutador estava fora das quadras.
A vontade de reagir era imensa, mas a consumação impossível.
O caso foi
explicado como uma reação ao elevado estresse decorrente da ansiedade gerada
pela cobrança por resultados. Ele mesmo se cobrava muito e por outro lado sofria
com a pressão exercida pela expectativa dos seus admiradores e treinadores. Não
podia admitir a possibilidade da derrota, porém em qualquer competição ela
sempre existe. A hipótese de desistir feria seus ideais de atleta. Surgiu então
o dilema: competir, mesmo diante da possibilidade de perder, ou não competir e
arcar com a incerteza de que poderia ter vencido?
A mente, por um
maquinismo automático de proteção, desencadeou uma defesa interna para
protegê-lo do sentimento de culpa e da possibilidade do fracasso, criando uma
dor aguda na região dos quadris. Assim o fato de não competir seria justificável
e não precisaria lidar com a realidade da perda, caso ela viesse a ocorrer. O
resultado foi a frustração de qualquer forma já que não encontrou
correspondência em nível orgânico para o seu incomodo e mesmo assim não
conseguir realizar o sonho de uma vida enquanto atleta.
Atualmente os
especialistas dividem as doenças de cunho emocional em duas variantes:
Transtorno Somatoforme, que é quando um sintoma é relatado, mas os sinais
fisiológicos correspondentes não são detectáveis por exames laboratoriais, como
o caso relatado acima e Psicossomatização, que é quando os sintomas são
identificáveis por exames laboratoriais e clínicos. A asma, bronquite, alergias
e a fibromialgia são alguns exemplos desses quadros.
De acordo com a
Organização Mundial de Saúde, 20% da população do planeta manifesta um desses
distúrbios. Portanto a atenção às queixas de dores ou outros desconfortos devem
sempre ser consideradas e investigadas por profissionais qualificados.
O
Médico do esporte e o Psicólogo são os profissionais habilitados para
diagnosticar e tratar interdisciplinarmente esses distúrbios, mas toda a equipe
deve estar esclarecida e envolvida na orientação e acompanhamento, cada qual na
sua competência.
O que não se pode é ignorar as queixas ou minimizá-las
dizendo que “é apenas coisa da cabeça”.
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